segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Zélio de Moraes por Zélio de Moraes - JUS 2008


POR ALEXANDRE CUMINO

Mês que vem a Umbanda co­memora seu primeiro cen­tenário,


que tem como marco a incorpo­ração do Caboclo Sete Encruzi­lhadas em seu médium Zélio Fernandino de Mo­raes (15/11/1908)


e a fundação do primeiro templo de Umbanda (Tenda Es­pírita Nossa Senhora da Piedade).


Em homenagem e come­mo­ração ao Centenário da Umbanda é que o Jornal de Umbanda Sa­gra­da


inicia nesta edição a publi­cação de repor­tagens,


matérias e textos que remontem a Memória da Um­banda,


mostrando assim que Umbanda tem História.


Para dar início, voltamos até o ano de 1972,


repro­duzindo uma reportagem em que o próprio Zélio de Moraes con­ta sua história,


de como tudo co­me­çou na Umbanda.


Con­sideramos importante este trabalho para a religião,


pois boa par­te do material que tivemos aces­so nestes anos é desconhe­cido pela maioria dos Umbandistas.


Também esperamos nos pró­ximos meses publicar partes de tex­tos dos primeiros autores Um­bandistas como Leal de Souza, Lourenço Braga, Aluízio Fontenele, Florisbela Franco, Yokaanan, Ca­pitão Pessoa, Benjamim Figuei­redo, João Severino Ramos, João de Freitas, Oliveira Magno, Sílvio Pereira Maciel, Tata Tan­credo, Emanuel Zespo e outros tantos que foram os pio­neiros na literatura umban­dista.


Também esperamos publicar algu­mas das reportagens e entre­vistas com Zélio de Moraes realiza­das pela Sra. Lilia Ribeiro que foi dirigente da TULEF (Tenda de Um­banda Luz, Esperança e Caridade) e responsável pelo boletim MACAIA.


Pedimos ao Caboclo das Sete Encruzilhadas que nos ampare e guie nesta missão que assumimos.


Zélio de Moraes por Zélio de Moraes


Jornal de Umbanda Sagrada - Outubro de 2008


"A Umbanda existe há 64 anos!"


Este é o título da reportagem, com Zélio


de Moraes, feita por Lília Ribeiro, Lucy


e Creuza para a revista Gira da Umbanda, ano 1 - numero 1 - 1972.


A revista foi editada por Atila Nunes Filho e traz na capa a chamada:


EXCLUSIVO: "Eu Fundei a Umbanda"


Reportagem e fotos: Lília Ribeiro, Lucy e Creuza.


Com 82 anos de idade, este homem é considerado por um pequeno grupo de umbandistas "o funda­dor da Umbanda".


Cabelos grisalhos, fisionomia serena e simples, Zélio de Moraes, através do seu guia espiritual,


o Caboclo das Sete Encruzi­lhadas, só sabe praticar o amor e a humil­dade.


"- Na minha família, todos são da mari­nha: almirantes, comandantes, um capitão-de-mar-e-guerra...


Só eu que não sou nada..." - comentava sorrindo Zélio de Moraes, aos amigos que o visitavam, nessa manhã ensolarada.


E a repórter, antes mesmo de se apre­sentar, retrucou:


"- Almirantes ilustres, capitães-de-mar-e-guerra há muitos;


o médium do Caboclo das Sete Encruzilhadas, porém, é um só".


Levantando-se, Zélio de Moraes - ma­grinho, de estatura mediana, cabelos grisalhos, fisionomia serena e de uma simplicidade sem igual - acolheu-me, como se fôssemos velhos conhecidos. Nesse ambiente cordial, sentindo-me completa­mente à vontade, possuída de estranho bem-estar, esquecendo, quase, a minha função jornalística, iniciei uma palestra, que se prolongaria por várias horas, deixando-me uma impressão inesquecível.


Perguntei-lhe como ocorrera a eclo­são de sua mediunidade e de que forma se manifestara, pela primeira vez, o Caboclo das Sete Encruzilhadas.


"- Eu estava paralítico, desenganado pelos médicos.


Certo dia, para surpresa de minha família, sentei-me na cama e disse que no dia seguinte estaria curado.


Isso a foi a 14 de novembro de 1908.


Eu tinha 18 anos.


No dia 15, amanheci bom.


Meus pais eram católicos, mas, diante dessa cura inexplicável, resolveram levar-me à Fede­ração Espírita de Niterói, cujo presidente era o Sr. José de Souza.


Foi ele mesmo quem me chamou para que ocupasse um lugar à mesa de trabalhos, à sua direita.


Senti-me deslocado, constrangido, em meio àqueles senhores.


E causei logo um pequeno tumulto.


Sem saber porque em dado momento, eu disse:


"Falta uma flor nesta mesa; vou buscá-la".


E, apesar da advertência de que não me poderia afastar, levantei-me, fui ao jardim e voltei com uma flor que coloquei no centro da mesa.


Sere­nado o ambiente e iniciados os trabalhos, verifiquei que os espíritos que se apre­sentavam ao videntes como índios e pretos, eram convidados a se afastar.


Foi então que, impelido por uma força estranha, levantei-me outra vez e perguntei porque não se podiam manifestar esses espíritos que, embora de aspecto humilde, eram trabalhadores.


Estabeleceu-se um debate e um dos videntes, tomando a palavra, indagou:


- "O irmão é um padre jesuíta. Por que fala dessa maneira e qual é o seu nome?"


Respondi sem querer:


- "Amanhã estarei em casa deste aparelho, simbolizando a humildade e a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem um nome, que seja este: sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas".


Minha família ficou apavorada.


No dia seguinte, verdadeira romaria formou-se na Rua Floriano Peixoto, onde eu morava, no número 30.


Parentes, desconhecidos, os tios, que eram sacerdotes católicos e quase todos os membros da Federação Espírita, naturalmente em busca de uma comprovação.


O Caboclo das Sete En­cruzilhadas manifestou-se, dando-nos a primeira sessão de Umbanda na forma em que, daí para frente, realizaria os seus tra­balhos.


Como primeira prova de sua pre­sença, através do passe, curou um para­lítico, entregando a conclusão da cura ao Preto Velho, Pai Antonio, que nesse mes­mo dia se apresentou.


Estava criada a primeira Tenda de Umbanda, com o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como a imagem de Maria ampara em seus braços o Filho, seria o amparo de todos os que a ela recorressem.


O Caboclo determinou que as sessões seriam diárias; das 20 às 22 horas e o atendimento gra­tuito, obedecendo ao lema:


"daí de graça o que de graça recebestes".


O uniforme totalmente branco e sapato tênis.


Desse dia em diante, já ao amanhecer havia gente à porta, em busca de passes, cura e conselhos.


Médiuns que não tinha a oportunidade de trabalhar espiritualmen­te por só receberem entidades que se apresentavam como Caboclos e Pretos Velhos, passaram a cooperar nos traba­lhos.


Outros, considerados portadores de doenças mentais desconhecidas revela­ram-se médiuns excepcionais, de incor­poração e de transporte".


Citando nomes e datas, com precisão extraordinária, Zélio de Moraes relata o que foram os primeiros anos de sua ativi­dade mediúnica. Dez anos depois, o Cabo­clo das Sete Encruzilhadas anunciou a se­gunda fase de sua missão: a fundação de sete templos de Umbanda e, nas reuniões doutrinárias que realizava às quintas-feiras, foi destacando os médiuns que assumiriam a direção das novas tendas: a primeira, com o nome de Nossa Senhora da Con­ceição e, sucessivamente, Nossa Senhora da Guia, São Pedro, Santa Bárbara, São Jorge, Oxalá e São Jerônimo.


"- Na época - prossegue Zélio - imperava a feitiçaria; trabalhava-se muito para o mal, através de objetos materiais, aves e animais sacrificados, tudo a preços elevadíssimos. Para combater esses trabalhos de magia negativa, o Caboclo trouxe outra entidade, o Orixá Malé, que destruía esses malefícios e curava obsedados. Ainda hoje isso existe: há quem trabalhe para fazer ou des­man­char feitiçarias, só para ganhar dinhei­ro. Mas eu digo: não ninguém que possa contar que eu cobrei um tostão pelas curar que se realizavam em nossa casa; milhares de obsedados, encami­nha­dos inclusive pelos médicos dos sana­tórios de doentes mentais... E quando apresentavam ao Caboclo a relação desses enfermos, ele indicava os que poderiam ser curados espiritual­mente; os outros dependiam de tratamentos material..."


Perguntei então a Zélio, a sua opinião sobre o sacrifício de animais que alguns médiuns fazem na intenção dos Ori­xás.


Zélio absteve-se de opinar, limi­tou-se a dizer:


"- Os meus guias nunca man­da­ram sacrificar animais, nem permitiriam que se cobrasse um centavo pelos trabalhos efetuados. No Espiritismo não pode pensar em ganhar dinheiro; deve-se pensar em Deus e no preparo da vida futura."


O Caboclo das Sete Encruzilhadas não adotava atabaques nem palmas para marcar o ritmo dos cânticos e nem objetos de adorno, como capacetes, cocares, etc.


Quanto ao número de guias a ser usado pelo médium, Zélio opina:


"- A guia deve ser feita de acordo com os protetores que se manifestam. Para o Preto Velho deve-se usar a guia de Preto Velho; para o Caboclo, a guia correspon­dente ao Caboclo. É o bastante. Não há necessidade de carregar cinco ou dez guias no pescoço..."


Considera o Exu um espírito traba­lhador como os outros:


"- O trabalho com os Exus requer muito cuidado. É fácil ao mau médium dar manifestação como Exu e ser, na realidade, um espírito atrasado, como acontece, também, na incorporação de Criança. Considero o Exu um espírito que foi despertado das trevas e, progredindo na escala evolutiva, trabalha em benefício dos necessitados. O Caboclo das Sete Encru­zilhadas ensinava o que Exu é, como na polícia, o soldado. O chefe de polícia não prende o malfeitor; o delegado também não prende. Quem prende é o soldado que executa as ordens dos chefes. E o Exu é um espírito que se prontifica a fazer o bem, porque cada passo que dá em benefício de alguém é mais uma luz que adquire. Atrair o espírito atrasado que estiver obsedando e afastá-lo, é um dos seus trabalhos.


E é assim que vai evoluindo. Torna-se portanto, um auxiliar do Orixá.


CINQUENTA ANOS


DE ATIVIDADE MEDIÚNICA:


Relembrando fatos passados em mais de meio século de atividade espiritualista, Zélio refere-se a centenas de tendas de Umbanda fundadas na Guanabara, em São Paulo, Estado do Rio, Minas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul. A Federação de Um­banda do Brasil, hoje União Espiritista de Umbanda do Brasil, foi criada por deter­minação do Caboclo das Sete Encru­zilhadas, a 26 de agosto de 1939.


Da Tenda Nossa Senhora da Piedade saiam constantemente médiuns de capa­cidade comprovada, com a missão de diri­girem novos templos umbandistas; en­tre eles, José Meireles, na época deputado federal; José Álvares Pessoa, que deixou uma lembrança indelével de sua extraor­dinária cultura espiritualista; Martinho Men­des Ferreira, atual presidente da Congre­gação Espírita Umbandista do Brasil; Carlos Monte de Almeida um dos diretores de culto da T.U.L.E.F.; João Severino Ramos, trabalhando ainda hoje, ativamente, inclusive na Assessoria de Culto do Con­selho Nacional Deliberativo da Umbanda.


Outros, fugindo às rígidas determinações de humildade e caridade do Caboclo das Sete Encruzilhadas, des­virtuaram normas do culto.


Mas a Umbanda, preconizada através da me­diunidade de Zélio de Moraes, difundiu-se extraordinariamente e hoje podemos en­con­trar suas características em tendas modestas e nos grandes templos, como o Caminheiros da Verdade e a Tenda Mirim, nos quais a orientação de João Carneiro de Almeida e Benjamin Figueiredo mantém elevado nível de espiritualidade, no Primado de Umbanda, uma das mais perfeitas entidades associativas da nossa Religião.


Durante mais de cinqüenta anos, o Caboclo das Sete Encruzilhadas dirigiu a Tenda Nossa Senhora da Piedade; após esse tempo, passou a direção à filha mais velha do médium, dona Zélia, aparelho do Caboclo Sete Flechas.


Entretanto, Pai Antonio continua trabalhando, na cabana que tem o seu nome, localizada num sítio maravilhoso, em Cachoeiras de Macacu. O Caboclo manifesta-se ainda em datas especiais, como foi, por exemplo, o 63º aniversário daquela tenda.


Da gravação feita durante a celebração festiva, repro­duzimos para os leitores,


o trecho final da mensagem do Caboclo das Sete Encru­zilhadas:


"A Umbanda tem progredido e vai progredir muito ainda. É preciso haver sinceridade, amor de irmão para irmão, para que a vil moeda não venha a destruir o médium, que será mais tarde expulso, como Jesus expulsou os vendilhões do templo. É preciso estar sempre de pre­venção contra os obsessores, que podem atingir o médium. É preciso ter cuidado e haver moral, para que a Umbanda progri­da e seja sempre uma Umbanda de humil­dade, amor e caridade. Essa é a nossa bandeira. Meus irmãos: sêde humildes, trazei amor no coração para que pela vossa mediunidade possa baixar um espírito superior; sempre afinados com a virtude que Jesus pregou na Terra, para que venha buscar socorro em vossas casas de caridade, todo o Brasil... Tenho uma coisa a vos pedir: se Jesus veio ao planeta Terra na humilde manjedoura, não foi por acaso, não. Foi o Pai que assim o determinou. Que o nascimento de Jesus, o espírito que viria traçar à humanidade o caminho de obter a paz, saúde e felicidade, a humildade em que ele baixou neste planeta, a estrela que iluminou aquele estábulo, sirva para vós, iluminando vossos espíritos, retirando os escuros da maldade por pensamento, por ações; que Deus perdoe tudo o que tiverdes feito ou as maldades que podeis haver pensado, para que a paz possa reinar em vossos corações e nos vossos lares. Eu, meus irmãos, como o menor espírito que baixou à Terra, mas amigo de todos, numa concentração perfeita dos espíritos que me rodeiam neste momento, peço que eles sintam a necessidade de cada um de vós e que, ao sairdes deste templo de caridade, encontreis os caminhos abertos, vossos enfermos curados e a saúde para sempre em vossa matéria. Com o meu voto de paz, saúde e felicidade, com humildade, amor e caridade, sou e serei sempre o humilde CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS.


Transcrição completa da entrevista com Zélio de Moraes, feita por Lília Ribeiro, Lucy e Creuza para a revista Gira da Umbanda, ano 1 - número 1 - 1972, pesquisado por Alexandre Cumino e publicado no Jornal de Umbanda Sagrada de Outubro de 2008.


PS.: Foi graças a esta revista, Giro da Umbanda, e a esta entrevista que o Sacerdote de Umbanda Ronaldo Linares tomou a iniciativa de procurar Zélio de Moraes, tornou-se seu amigo e o maior divulgador da mensagem do Caboclo Sete Encruzilhadas em São Paulo.


Foi também com o apoio de Zélio de Moraes que Pai Ronaldo Linares instituiu o curso de Sacerdotes da FUGABC, que já está no 26º Barco (Turma).


O que é confirmado no livro Umbanda Cristã e Brasileira do autor Jota Alves de Oliveira (Ediouro, p.46):


Estivemos com Zélio de Moraes, mais uma vez, no sítio de Boca do Mato, às vésperas da data consagrada à Oxossi. Ouvimos de Zélio e Zilméia, a descrição do que foi a grande concentração promovida pela Federação Umbandista do Grande ABC, de Santo André, estado de São Paulo, em homenagem a Zélio... aquela Federação, presidida por Ronaldo Linares, visa uniformizar o culto dos templos umbandistas, excluindo gradativamente do ritual os preceitos já superados, a fim de atingir, na prática, o conceito definido pelo Caboclo: Umbanda é a manifestação do espírito para a caridade.

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