segunda-feira, 29 de setembro de 2008

'Salve a Umbanda', um debate ecumênico sobre a intolerância religiosa






Enviado por Logo - 9/6/2008- 2:06

Salve a Umbanda

"A umbanda é a mentira!", vociferou o pastor Adão José dos Santos, da Igreja Pentecostal dos Milagres, no Grajaú, em depoimento à repórter Adriana Diniz, do jornal Extra (especial para esta página), na mesma semana em que jovens evangélicos destruíram um centro umbandista no Catete. Depois, disse que só se deve pregar pela palavra, não pela violência, esquecendo-se de que a violência é costumeiramente incitada com palavras como as suas. A seguir, outras palavras - umbandistas, evangélicas, católicas e judaicas - que têm em comum a celebração do amor, da liberadade de culto, da democracia, e o repúdio à intolerância. (Arnaldo Bloch)



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'Na minha casa não mexem’

Mãe Fátima Damas,


Presidente da Congregação Espírita
Umbandista do Brasil

Como presidente
de uma casa que
congrega 2.300
terreiros há 46
anos, nunca me
omito. Quando
subi a escadinha
no Catete senti uma punhalada
no peito. São nossos ícones. O
sagrado de um ser humano é
coisa séria. Ninguém tem direito
de tocar. Vi o senhorinho que
preside a casa e mora em asilo,
chorando: “é a minha vida”, di-
zia, trêmulo. Ali tinha imagem
de 80 anos, coisa que não se en-
contra mais. São objetos iman-
tados, preparados pelas entida-
des fundadoras.
Por isso, criamos uma comis-
são de tolerância religiosa, reu-
nimos 70 lideranças e fomos pa-
ra a Alerj, onde o presidente Jor-
ge Picciani ia nos receber. Mas
na hora H, era uma deputada
evangélica da Universal. Cantei
o hino da umbanda e saímos to-
dos, esvaziando a reunião. Os
deputados que nos apoiavam
disseram que perdemos uma
oportunidade. Mas não: fomos
para a escadaria, tratamos um
carro de som e pusemos a boca
no mundo.
Assim conseguimos um en-
contro com o secretário de se-
gurança José Mariano Beltrame,
para a próxima quarta-feira. E
vamos ao Cabral, e ao Lula. Ela-
boramos também um documen-
to para dar entrada no Ministé-
rio Público, pois o delegado não
quis fazer o boletim direito, o
que acontece muito quando é
caso de umbanda e candomblé.
Teve que pressionar, e assim
mesmo registraram como van-
dalismo, não intolerância. Por
isso mandamos muita coisa di-
reto para o MP.
No site do pastor que orien-
tou aqueles rapazes tinha um ví-
deo em que ele instiga à violên-
cia. Já tirou do ar mas temos
uma cópia. Antigamente os
evangélicos não tinham proble-
ma com a gente. Era só a polícia.
Isso começou com o Bispo Ma-
cedo, uns 20 anos atrás. Por que
ele era umbandista da casa do
Tata Tancredo da Silva Pinto, es-
se negão aí na parede. Conheceu
o métier e depois foi só pancada
na televisão. Que somos demô-
nios, capetas. Vão martelando e
enterrando essas idéias nas ca-
beças. As conseqüências vêm
depois. E olha que é concessão
pública! Imagina se esse evangé-
lico entrar agora no governo...
Por isso, dia 21 de setembro
faremos uma grande caminhada
ecumênica pela liberdade de
culto, a nível nacional. Vou à lu-
ta. Dou a cara sem dó nem pie-
dade. Se tivesse sido na minha
casa aqui não ia ficar de graça,
não. Ainda não tive oportunida-
de de conversar com as entida-
des espirituais. Mas já estive
pensando, intuitivamente: será
que a casa do Catete foi penali-
zada para que se pudesse, ago-
ra, remexer o caldeirão, para as
coisas virem à tona, e, brotando,
a gente poder caminhar em paz?
Ou vai virar uma guerra santa?
Se não cuidar, entorna.


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Os fios invisíveis da violência

Pastor Edson Fernando de Almeida

Pastor da Igreja Cristã de Ipanema e
professor do Instituto Metodista Bennett

O fel da intolerância, da
projeção no outro do que há de
mais diabólico no ser humano,
manifesta-se com intensidade
em nossos dias. O ataque de
quatro jovens adoecidos por
uma religiosidade mórbida a um
centro umbandista no Catete é
um triste exemplo. Dói no
coração saber que esses
meninos na flor de sua
juventude estão dispostos a
matar em nome de Deus.
Que cristianismo é esse? O
que é ser cristão? Essas
questões me remetem à
paradoxal afirmação de Jesus de
Nazaré: felizes os pacificadores,
porque serão chamados filhos e
filhas de Deus. É que no
primeiro século da era cristã o
termo pacificador aparecia nas
moedas do império romano
designando o Imperador. Era
aquele que, pelo uso da
violência ou não, assegurava a
continuidade do império. “Se
queres a paz, prepara-te para a
guerra!”
Mahatma Gandhi assim
interpretou as palavras de
Jesus: “Somos semelhantes a
Deus, à medida em que nos
tornamos não violentos!”. E a
busca da não violência tem a
ver com uma metamorfose do
nosso ecossistema afetivo e
social: o enfrentamento de um
certo analfabetismo afetivo que
marca nosso tempo. É preciso
buscar e ensinar a serenidade
mais que o barulho; dar e
oferecer em detrimento de
dominar, reter; escolher a
sensibilidade para superar o
ódio; e a singularidade para
vencer o esmagamento das
subjetividades; ouvir mais e
falar menos; servir, mais que ser
servido; a esvaziar-se em
direção ao “ser”, mais que
encher-se em direção ao “ter”.
A história da humanidade já
conheceu mais de 8 mil tratados
de paz. Nenhum trouxe a paz. É
que a paz é irmã do amor e,
como ele, não se alcança por
decreto. A vitória só leva à
vitória, jamais à paz. É um
contra-senso “lutar” pela paz.
Luta-se pelos direitos humanos,
pela justiça. A paz brota,
aparece, se recebe, se descobre.
Não é a paz dos tranqüilizantes,
dos cemitérios, dos confortos
comprados, ou a falsa paz dos
muros altos, das prisões.
Os quatro jovens haverão de
pagar pela intolerância que os
tomou. Mas nossa dor só gerará
proveito se for capaz de ir além
da condenação. É preciso
reconhecer os fios invisíveis da
violência no interior de nossas
orientações culturais, no
interior de nossas religiões, de
nossas casas e de nós mesmos.

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Intolerância, sinônimo de ignorância

Sílvio Rabaça


Jornalista, mestre em filosofia e fiel católico

A história da humanidade tem
sido marcada pela intolerância
religiosa e há quem proponha
que o fanatismo continuará a
instigar conflitos no futuro. Esse
tipo de análise, porém, quase
não deixa ver que o diálogo
entre as religiões pode ser um
dos caminhos mais sólidos para
o entendimento entre as
pessoas e as civilizações.
O leigo costuma desconfiar da
religião, e isso provavelmente se
deve a seu aspecto mais
controverso: o proselitismo.
Não compreende, por exemplo,
que o cristão (católico , como
eu, ou de outra igreja) não abra
mão de um preceito que lhe é
caro, como o de pregar o
evangelho. Como ele irá
respeitar, então, uma crença que
não se coadune com a sua?
Talvez valesse a pena inverter
a pergunta: será que, para que
haja diálogo, é preciso abrir
mão de suas convicções? A
resposta, obviamente, é não,
sob pena de que a religião perca
o sentido e o crente a própria
fé. As religiões, por mais
distintas que sejam entre si,
guardam muitos princípios em
comum, como a defesa da vida e
o respeito ao outro. Diante deles
o proselitismo tem bem menos
importância. E, ao contrário do
que muitos possam acreditar, as
religiões não prescindem da
razão, por mais falível que essa
possa ser. “Religiosa” pode ser
predicado para intolerância,
mas esta talvez não passe de
pura ignorância.




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A única força está no amor



Pastor Eduardo Rosa Pedreira

Pastor da Comunidade Presbiteriana da Barra da Tijuca

A juventude é um momento da
nossa vida fértil para o
florescimento de ideais pelas
quais lutar. É triste constatar
que, ao invés de serem
inspirados na construção do
Reino de Deus na nossa
sociedade, os jovens que
invadiram o centro umbandista
foram convidados a entrar
numa guerra religiosa, na qual o
outro deixa de ser um possível
cúmplice para o bem estar de
todos e se torna um inimigo a
ser corrigido ou agredido.
Neste contexto, é necessário
mais do que nunca, insistir na
idéia de que a força de uma
verdade religiosa não está na
imposição violenta da mesma,
mas sim no poder de sedução
advindo da coerência e do amor
com que é apresentada. Esta foi
a atitude de Jesus e através dela
ele conquistou o coração dos
seus mais ferrenhos inimigos.
Portanto, sua igreja e seus
adeptos não estão autorizados
pelo mestre do amor e da
coerência a agir de uma outra
maneira.
Fica aqui minha solidariedade
aos agredidos, meu repúdio à
ação dos agressores e meu
protesto profético contra toda e
qualquer atitude que se oponha
aos inalienáveis direitos a que
todos os cidadãos têm em nossa
sociedade.


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Humano: a mais sagrada criação


Osias Wurman

Jornalista e vice-presidente da Confederação Israelita do Brasil.


Um dos mais importantes
ícones da sabedoria judaica,
Rabi Akiva, que viveu nos
primórdios da Era Comum,
resumia todos os mandamentos
da Lei de Moisés, a Torá, numa
frase: “E amarás o teu próximo
como a ti mesmo”. Os recentes
episódios de agressões e
calúnias entre religiosos de
diferentes crenças são motivo
de critica para todos que
acreditam na fé de Moisés. É
inaceitável que em nome de
Deus pratiquem-se atos de
violência contra a mais
importante das criações divinas:
o ser humano. Nada pode
justificar a invasão de locais de
culto, com a depredação de
símbolos que são sacros para
terceiros. Outra máxima para a
convivência religiosa pode ser
tirada do ensinamento: “o
direito de cada um termina
onde começa o do outro”. São
repugnantes as cenas movidas
pelo fundamentalismo religioso,
que em nossos dias se reflete
em vandalismo, ofensa e terror
suicida. O princípio básico de
todas as religiões deve ser
respeitar as opções pessoais,
amando ao próximo,
independentemente de credo.

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